Rss Feed
  1. Precisamos falar sobre o Kevin

    terça-feira, 28 de janeiro de 2014


    Título: Precisamos falar sobre o Kevin
    Título original: We Need to Talk About Kevin
    Autora: Lionel Shriver
    Tradutoras: Beth Vieira e Vera Ribeiro
    Editora: Intrínseca
    Número de páginas: 464
    Publicação no Brasil: 2012

    Capa antiga (e da qual eu gosto mais):


    A capa atual é igual à capa do DVD do filme, dirigido por Lynne Ramsay e cuja adaptação ficou ótima:


    A autora Lionel Shriver


    Obs: as fotos que ilustram o post são da adaptação do livro para o cinema.

     ***

    Ao ler Precisamos falar sobre o Kevin, lembrei de uma entrevista com o José Saramago que li faz tempo (e que tentei localizar pelo Google, mas sem sucesso), em que ele comentava o seu Ensaio sobre a cegueira e dizia que, desde muito tempo, as mulheres carregam o peso do mundo e que a protagonista, a mulher do médico, representava um pouco isso - ela carregava o peso de enxergar num mundo em que todos estavam sendo tomados por uma epidemia de cegueira.

    Em Precisamos falar sobre o Kevin, Eva Khatchadourian, carrega o peso de ser a mãe do Kevin ao qual o título remete, um adolescente de 15 anos que comete uma chacina em seu colégio. Não estou estragando o fim - na contracapa os leitores já têm essa informação -, na verdade, esse é o ponto de partida do livro.

    A brilhante Tilda Swinton fez o papel de Eva na adaptação para o cinema

     Eva tenta continuar a vida enquanto aguarda ser entrevistada para trabalhar em uma agência de viagens

    O livro é escrito em forma de cartas, de Eva para o marido Franklin, e vai de 8 de novembro de 2000 a 8 de abril de 2001, e, por meio delas, descobrimos como era o mundo daquela família, antes e depois do nascimento de Kevin e também durante a gestação.


    Aparentemente, Eva não estava 100% segura de que queria ser mãe. Depois que tudo aconteceu, ela fez lista com as razões pelas quais não se animava em ter filhos, reproduzida no fim desse post. 

    Apesar do drama vivido pela mãe, o tom da narrativa não é meloso, repleto de choros, culpas e arrependimentos; pelo contrário, essa mãe vai recapitulando vários episódios de sua vida, enquanto descreve o pesadelo em que foi lançada depois do ato criminoso do filho e, racionalmente, tenta encontrar indícios de que aquilo aconteceria.

    No início não fica claro se Eva implicava com Kevin por ele ter nascido e ser um "estorvo" em sua vida ou se realmente havia algo de muito errado com ele desde o começo. Antes, ela era uma executiva de sucesso, dona de uma editora e que viajava o mundo inteiro, a fim de checar informações de hospedagem, entre outras, para inserir nos guias de viagem que publicava, tinha uma vida bastante ativa e, depois do nascimento de Kevin, passou a ser principalmente mãe. Talvez não uma "mãe exemplar" e amorosa, mas uma mãe eficiente, que atendia (ou pelo menos tentava atender) a todas as necessidades do filho - estimulando-o com atividades criativas, apesar de ele ser desinteressado e apático, dando-lhe comida, trocando suas fraldas, mesmo quando ele já tem uns 6 anos.

    Tilda Swinton (Eva) e Rock Duer (Kevin criança)

    Quando era bebê, Kevin chorava muito quando estava apenas com a mãe, mas se mostrava uma criança muito bem comportada na presença e no colo do pai. Um trecho bastante marcante é quando ela leva o Kevin para passear no carrinho de bebê e para ao lado de uns homens trabalhando com britadeiras e sente um imenso alívio, porque aquele barulho parece ser muito mais suportável que o choro incessante do filho. Depois bate a culpa, ela fica preocupada e o leva ao médico para saber se ele tem algum problema de audição.


    Eva e Kevin em diferentes fases

    Conforme vai crescendo, o nível de maldade parece aumentar sob os olhares preocupados da mãe e a cegueira crônica do pai, que sempre o defende. (Será mesmo possível que haja pais - e mães - tão patéticos?) Ao se mudarem para uma casa em um bairro chique, escolhida por Franklin, para que Kevin tenha mais espaço para brincar, Eva se sente deslocada - ela julga o imóvel de mau gosto extremo, mas não comenta nada com o marido, que, aparentemente, queria fazer uma surpresa para ela, comprando a casa dos sonhos da família feliz. Para tentar diminuir a sensação de estranhamento dentro da própria casa, Eva decora um cômodo parar servir de escritório, cola mapas, fotos e demais lembranças de suas andanças pelo mundo e, quando termina o trabalho e sai um minuto para atender o telefone, Kevin usa sua metralhadora de esguichar água para esguichar tinta nas paredes e no teto do ambiente. Eva fica perplexa e devastada - ainda mais quando o pai, ao saber disso, comenta que Kevin devia estar só brincando.


     Jasper Newell no papel de Kevin criança (ele é ótimo!)

    Um trecho bastante interessante é quando Eva conta sobre a única vez em que Kevin ficou doente, de cama, por cerca de uma semana, e parecia outro menino: tinha vontades e comportamentos que nunca haviam se manifestado antes - preferência por um determinado pijama, queria comer comida armênia preparada pela mãe, sentia prazer quando a mãe lia para ele na cama e pediu desculpas ao vomitar no chão do quarto. No entanto, quando ele melhora, volta a ser o menino de antes. Com a diferença de ter se interessado por arco e flecha, talvez seu único interesse na vida, depois de a mãe ter lido Robin Hood para ele.

    Talvez por se sentir isolada dentro da própria casa ou para se dar uma chance de tentar ser uma "mãe melhor", Eva engravida novamente e Franklin não gosta da ideia - tanto que mostra um total desinteresse pela criança que está por vir e, dessa vez, não há discussões acaloradas, como as que tiveram antes do nascimento de Kevin (em relação ao nome que dariam a ele, todo o cuidado que ele tinha com a esposa grávida, que sobrenome a criança teria - Kevin acabou ficando com o sobrenome de origem armênia da mãe, depois de muita discussão). Já era um indício de que a relação do casal não ia e, depois do nascimento de Celia, uma menina doce e amorosa, por quem Eva nutria um amor incondicional, essa relação parece piorar, assim como o nível de maldade de Kevin, que tratava a irmã como retardada, apesar de ela demonstrar gostar muito dele.



    Eva e Franklin (John Reilly)

    Na adolescência, Kevin continua praticando arco e flecha e seu desempenho melhora bastante. A prática continua sendo um de seus únicos interesses.

    Ezra Miller como Kevin adolescente


    Ao longo do livro, que tem muito mais detalhes e nuances que o filme, fui tirando algumas conclusões pessoais e questionamentos:

    - as pessoas não deveriam ter filhos, a não ser que estejam 100% certas de que realmente querem isso e estejam dispostas a abrir mão de uma série de coisas, incluindo, possivelmente, carreira, passeios, viagens, leitura, uma vida com mais conforto (uma vez que as crianças absorverão boa parte da renda familiar durante 20 ou 30 anos) e vida própria;

    - os pais nem sempre são responsáveis pelo mal comportamento dos filhos (embora meu pai tenha dito há muito tempo: "quando uma criança se comporta mal, as pessoas procuram saber imediatamente quem são os pais [que não a educou direito]");

    - é possível detectar a psicopatia dos filhos desde pequenos? E o que pode ser feito em relação a isso?

    - os filhos percebem quando não são realmente desejados, apesar da (aparente) dedicação que seus pais demonstram?

    - ter filhos significa ter mais prazeres ou mais preocupações e frustrações?

    Mas também concluo que não existem conclusões corretas e nem respostas únicas. Cada filho é único, assim como será única a relação que ele terá com os pais.

    Um dos melhores livros que já li e a melhor adaptação para o cinema que já vi. Recomendo muito o livro e o filme.

    Trecho do livro:

    Caso eu tivesse enumerado as desvantagens da procriação, "filho pode acabar sendo assassino" jamais teria aparecido na lista. Na verdade, ela teria sido algo mais ou menos assim:

    1. Pentelhação.
    2. Menos tempo só para nós dois. (Que tal tempo nenhum só para nós dois?)
    3. Os outros. (Reunião de Pais e Mestres. Professores de balé. Os amigos insuportáveis das crianças e seus insuportáveis pais.)
    4. Virar uma vaca gorda. (Eu era esbelta e preferia ficar como estava. Minha cunhada teve varizes durante a gravidez, aquelas veias enormes nas pernas dela nunca mais desincharam, e a perspectiva de ver minhas panturrilhas se ramificando em radículas azuis me torturava mais do que eu poderia admitir. De modo que não admiti nada. Sou vaidosa, ou já fui um dia, e uma de minhas vaidades era fingir que eu não tinha vaidade.)
    5. Altruísmo artificial: ser forçada a tomar decisões segundo o que é melhor para uma outra pessoa. (Eu sou pavorosa.)
    6. Redução nas minhas viagens. (Note que eu disse redução. Não fim delas.)
    7. Tédio enlouquecedor. (Eu achava criança pequena uma chatice inominável. E, desde o princípio, sempre admiti isso para mim mesma.)
    8. Vida social imprestável. (Nunca consegui ter uma conversa decente na presença de crianças de cinco anos na sala.)
    9. Rebaixamento social. (Eu era uma empresária respeitada. Assim que eu aparecesse com uma criança a tiracolo, todos os homens que eu conhecia - e todas as mulheres também, o que é deprimente - deixariam de me levar tão a sério.)
    10. Arcar com as consequências. (Procriar é saldar uma dívida da qual se pode escapar indica que as mulheres sem filhos escapam impune e furtivamente. Além do mais, de que adianta pagar uma dívida para o credor errado? Só a mais desalmada das mães poderia se sentir recompensada da trabalheira ao ver a própria filha levando finalmente uma vida tão horrenda quanto a sua.)
    p. 38-39

    Em várias passagens, comidas armênias são citadas, entre elas, o lahmajoon, receita escolhida para este post.

    ***

    Lahmajoon (Pizza armênia)


    [Misturei várias receitas encontradas na internet e cheguei a esta.]

    Ingredientes:

    500 g de carne moída
    1 pimentão verde picado
    1 tomate picado
    1 cebola pequena picada
    2 dentes de alho picados
    1 colher (sopa) de extrato de tomate
    1/2 lata de tomate pelati
    alguns ramos de salsinha picada
    sal e pimenta-do-reino a gosto

    Discos de pão sírio ou "Rap10"





    Modo de preparo:

    Picar o alho, a cebola, o pimentão e o tomate.


    Colocar todos os ingredientes em uma vasilha e misturar.



    Acrescentar o sal e a pimenta-do-reino a gosto e misturar mais um pouco.

    Essa cobertura deverá ser colocada sobre a massa de pão sírio ou "Rap10".



    Colocar no forno médio preaquecido por cerca de 20-25 minutos ou até a carne ficar bem assada. Pode ser servido com rodelas de limão para ser espremido sobre o prato.